sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Quando abrires os olhos verás



No momento em que a tua essência olhar verá que cada pedaço de mim foi teu, mais do que alguma vez foi meu.
Todo o meu corpo latejou ao ver-te partir, mas foi a única forma que encontrei para te dizer o quanto te amava. Se não te amasse tanto ter-te-ia pedido para ficares, preso na ilusão de nunca mais os meus olhos deixarem de ver os teus. Se não te vivesse tanto, pedir-te-ia para me viveres só a mim, do modo mais egoísta que o amor deve ser. Mas não. Deixei-te ir quando me apercebi que o amor já não chega e ele deve bastar por si mesmo.
Decidi magoar-te agora, para um dia não me desfazer em pedaços, e ver em ti alguém em quem apenas paira uma alma que outrora me tinha embriagado de paixão. Sim, porque bebi cada palavra tua, saboreei cada beijo teu e perdi-me no calor do teu toque. Mas enquanto os tempos iam passando sentia-te a ir, a perderes a respiração cada vez menos vezes com o que ambos criamos um dia. De cada vez que essa pessoa voltava a mim, era como que se estivesse drogado de ti, viciado em algo que proximamente voltaria a desaparecer ou apenas levitaria por perto; mas que iria teimar em ir novamente. Essa pessoa, que quando num sopro voltava, vinha cada vez menos frenética e intensa mas com o suficiente para me deixar amá-la.
O ato mais romântico que poderia ter cometido, e também o mais doloroso, foi ter-te perdido, para um dia, não te sentir perdida e com isso, perder-me na raiva de não te ter deixado ir.


Quando abrires os olhos verás que se te deixei partir foi por puro amor.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Só faltou noutra vida

Faltou tentar o impossível. Faltou-nos morrer e voltar a nascer com a esperança de nos encontrarmos de novo. Foi isso, faltou-nos tentar numa outra vida.
Recriamo-nos e moldamo-nos até à exaustão, percorremos caminhos em fogo e ultrapassamos limites intransponíveis, todos eles de mão e alma entrelaçadas. Juntos encontramo-nos em lugares, pessoas e emoções. Vimos tudo que havia para ser visto e levamos as nossas gargalhadas desajeitadas bem alto, como naquele dia de em que te via em alvoroço com a tentativa de comeres churrasco de faca e garfo. Estavas linda, no teu jeito pouco corriqueiro, com o cabelo mal amarrado, o pijama mal vestido, e como tudo te ficava tão bem… Faltou garantir que isso não desmoronaria e que seria intemporal.
Mas o amor genuíno não é amar-te e querer que me faças feliz, é amar-te tanto que só te quero feliz, do meu lado enquanto for o sensato. Levaste-me a não querer mais nada e a perder-me em ti, rumando apenas em direção a ti. A ti. Não a nós.
Cego de romantismos batalhei pelo equilíbrio, onde eu pesei mais, e tu na tua luta, tentavas acompanhar numa dança que te era estranha. Era como se pedisse a um freestyler de rua de anos, para me acompanhar num tango, e ele tentasse e morresse a tentar podendo nunca lá chegar. Tentamos dançar jazz e salsa, e os dois cedemos até acabarem os esforços e se impor o ritmo rotineiro de ir até onde o amor morre porque alguém já não morre de amores.

Eu soube que acabou quando já não havia nada para acabar, não por falta de tentativas mas por escassez do que faltava tentar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Copo ainda trémulo de ti

Restava um copo meio cheio na mesa junto da cama. Agora era só ele.
Meditava um corpo num canto da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e de olhar colado na água ainda trémula…
Chovia lá fora e Matias sabia que a maior tempestade estava do lado oposto da janela, presa naquele quarto onde há tão pouco eram dois. Instantes antes tinham gritado pelo nome um do outro. Instantes antes tinham-se amado e caído num sono profundo. Pelo menos era o que Matias achava. Agora era só ele, ou o pedaço dele ambulante que ficou, pois quando ela partiu, tomou um trago de água e levou consigo muito mais do que memórias e histórias. Deixou uma divisão totalmente vazia.
Amanhecia devagar, do mesmo modo que Matias se ia matando emocionalmente, preso numa vivência que terminara. Vida macabra que o prendara com tudo o que ansiava, e o apunhalava agora, retirando-lhe o mesmo, num só gesto amargo. Cru.
Sentia a garganta fechada e, alcançando o copo do seu lado, esforçava-se para acreditar que com um gole de água, tudo melhoraria. De lábios entreabertos, os olhos ergueram-se à mínima luz que, envergonhada, entrava pela janela. Como queimava esse delicado raio de sol! Ardia vivamente! Foi aí que o Matias entendeu que, se ele olhasse, depois da chuva, havia um ligeiro brilho alcançável.

Abre-se a porta chorosa. Interrompem-se, por um segundo, os pensamentos com olhares ardentes de raiva, arrependimento e dor. Chocam os dois corpos e revêem-se as almas, como se lhes arrancassem a pele e os unissem debaixo da mesma. Matias sorri-lhe entre um beijo aliviado, “Sem ti, nada meu em mim restava”. 

Carta a quem eu era quando deixei de ser.

Miúda, ela vai partir e tu vais deixar de ser filha. E eu quero-te avisar que ela vai partir esta noite. Não precisas de ir buscar o pijama ...