Miúda, ela vai partir e tu vais deixar de ser filha. E eu quero-te avisar que ela vai partir esta noite. Não precisas de ir buscar o pijama a casa, para passares a noite no hospital, porque ela vai partir, e tu já o sentes. Ou melhor, precisas de ir sim a casa: conforta e prepara os teus avós, exatamente como fizeste.
Miúda, entranha bem aquele olhar que ela te vai dar quando fores
a casa porque será o último.
-Mãe, se continuas a responder-me assim eu não venho aqui
dormir, chata!- deste-lhe um sorriso malandro.
- Atreve-te!!!- dir-te-á ela com a sobrancelha arqueada, a
comer o calippo desenfreada- Mas vai devagar filha, a mãe ‘tá mesmo bem, hoje.
E traz-me mais um calippo- a meia hora que estiveres fora, ela vai estar a
perguntar por ti, dir-te-ão mais tarde, por isso…Corre!
Miúda, corre… Sobe as escadas dos 6 pisos e corre; fecha a
porta porque é agora. Faz tudo igual; deita-te com ela, fala-lhe ao ouvido e
faz tudo igual. Ela ouve-te e sente-te. Prepara-te para não conseguires
proteger o teu pai que assistirá ao momento de fim da (tua) vida. Irás sentir que falhaste e não conseguiste protegê-lo, mas não te preocupes, ele superará rápido.
“Mónica, ela soltou-me a mão!”- sim. Reage com mais calma e dá a outra mão à madrinha. Continua a beijar a mãe. Não faz mal que te caiam as lágrimas no rosto dela, só não a soltes para ir gritar com a enfermeira. Confia quando ela te diz “Mónica, ela não está em dor”. Confia! Vais entender meses depois que a dor física é
apenas 1 item da dor total, e esse, foi manejado impecavelmente. Eu sei que não
te parece, mas foi exatamente "como mandam os livros”…
Miúda, os sons, a falta de reação, o coração a parar, as lágrimas
de vós 3, a impotência no olhar dos profissionais que te acompanharão nos últimos
minutos… Será duro, mas deixa-me avisar-te, tu vais suportar melhor que ninguém.
-Lamento muito- dirá o médico, nos teus olhos, após
verificar que não há batimento cardíaco. Miúda, esmurra o cacifo, pontapeia a
cadeira, arranca os cobertores da maca e não oiças o "Moninha, tem calma" do teu pai. Grita. Tal como fizeste. Fizeste tudo
bem! Mas aguenta-te, porque vai piorar.
Miúda, ainda serás a que irá suportar melhor do que ninguém; às vezes contrariada ou em ataques de fúria mas melhor do que ninguém, honrando a mãe, respeitando sempre a nossa Flor.
Miúda, abre os olhos. Por favor, abre os olhos. Vais cair
com autênticos golpes de toda a parte e de quem menos esperas… Queria
abraçar-te e poder dizer-te que VAIS ULTRAPASSAR (porque vais, foda-se) e que o
teu único problema devia ser o luto (não será); o teu único problema devia ser teres perdido o sentido da tua vida,
quando a vida dela parou… Mas apesar de não ir ser, eu prometo-te que no dia que eu te escrevo esta carta nada te quebrará, jamais.
Confia nas flores, são elas que guiam os teus passos; naquilo
que o vento te diz ao ouvido; na tua intuição herdada pela mamã. Confia no
processo e lembra-te que, mesmo que o mundo tenha desabado para ti, ela queria
para ti o mundo. PARA TI! E só para ti.
Miúda, os sinais? Vais procurá-los em todo o lado e nada vais encontrar. Mas dizem que só quando deixas de os procurar é que os vês... Ainda assim, vais entender que o rumo da tua vida é que por muito
que tenhas deixado de ser filha, a tua vida terá e será sempre (sobre) a MÃE.
Com amor,
A Moninha que começou a ser quando ela deixou de estar.
PS- Gostava de te dizer que um ano depois, ficará mais fácil
a aceitação de tudo, Moninha, mas não é verdade. A verdade é que te acostumas a
tratar a dor por “tu”. Vocês agora são amigas e respeitam-se. E nos intermédios macabros da vida irás sobreviver até que isto seja de novo "sobre viver".
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