quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Copo ainda trémulo de ti

Restava um copo meio cheio na mesa junto da cama. Agora era só ele.
Meditava um corpo num canto da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e de olhar colado na água ainda trémula…
Chovia lá fora e Matias sabia que a maior tempestade estava do lado oposto da janela, presa naquele quarto onde há tão pouco eram dois. Instantes antes tinham gritado pelo nome um do outro. Instantes antes tinham-se amado e caído num sono profundo. Pelo menos era o que Matias achava. Agora era só ele, ou o pedaço dele ambulante que ficou, pois quando ela partiu, tomou um trago de água e levou consigo muito mais do que memórias e histórias. Deixou uma divisão totalmente vazia.
Amanhecia devagar, do mesmo modo que Matias se ia matando emocionalmente, preso numa vivência que terminara. Vida macabra que o prendara com tudo o que ansiava, e o apunhalava agora, retirando-lhe o mesmo, num só gesto amargo. Cru.
Sentia a garganta fechada e, alcançando o copo do seu lado, esforçava-se para acreditar que com um gole de água, tudo melhoraria. De lábios entreabertos, os olhos ergueram-se à mínima luz que, envergonhada, entrava pela janela. Como queimava esse delicado raio de sol! Ardia vivamente! Foi aí que o Matias entendeu que, se ele olhasse, depois da chuva, havia um ligeiro brilho alcançável.

Abre-se a porta chorosa. Interrompem-se, por um segundo, os pensamentos com olhares ardentes de raiva, arrependimento e dor. Chocam os dois corpos e revêem-se as almas, como se lhes arrancassem a pele e os unissem debaixo da mesma. Matias sorri-lhe entre um beijo aliviado, “Sem ti, nada meu em mim restava”. 

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