quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Para sempre é muito tempo

És tu quem faz falta no mundo. Tu e toda a tua forma de ser/estar. Os teus olhos, a tua gargalhada dobrada, o teu nariz empinado, a tua sobrancelha arqueada...
Procure onde procurar, não há abraço que me preencha como o teu; não há mão no rosto que me acalme como a tua; não há voz que me faça feliz como a tua fez. 
Revejo todas as fotos e todos os vídeos numa tentativa de terapia. Oiço todos os áudios com o coração em sobressalto porque quase que parece mentira que não vás estar ao virar da esquina, esperando por mim. É que sempre esperaste que eu aparecesse antes de se tomar qualquer decisão. Até na mais pequenina coisa olhávamo-nos à espera de aprovação para poder decidir a cor dum cortinado, o nome de mais um cão, a escolha de um novo tratamento. E agora?! Olho para o lado e não está ninguém, não há aprovação e nem direção. Há uma miscelânea qualquer que me grita que tenho de seguir em frente mas não quero, ainda, dar-lhe ouvidos.


A tua roupa começa a perder o teu cheiro, porra. Encontro-me ajoelhada no chão, desalmada e destroçada, a implorar para que aquela peça tua, que ainda não foi lavada, consiga armazenar um pedacinho teu. Então, durmo com um cachecol teu para conseguir sonhar contigo, mas os pesadelos não permitem uma inconsciente (e não forçada) memória colorida. Imploro por um sinal teu que me mostre que está tudo bem, mas o silêncio e apatia mundana não dão espaço a essas crenças... É uma merda isto aqui sem ti, seja dita a verdade nua e crua. É como que se me(te) tivessem arrancado a sangue frio um apêndice que me mantinha funcional. Estável. É uma saudade filha-da-puta, que rói a mais pequena entranha. Dá-me uma tareia sistemática de cada vez que me apercebo que está do meu lado a dizer "Vim p'ra ficar. E sou eterna!"- e eterna é muito tempo. Saudade para sempre é demasiado tempo e insuportável.

Se bem te lembras, desde pequenina, se pudesse ter um super-poder, escolheria sempre o "poder respirar debaixo de água". Ontem, antes de adormecer, refleti que hoje, se pudesse escolher um super-poder para toda a vida, seria "poder viajar no tempo"- nem que não pudesse mudar nada e (talvez) alterar a ordem das coisas, mas poderia viajar todos os dias até ao teu abraço, até ao teu beijo. Ia tagarelar até me faltar a voz, e todos os dias, bastar-me-ia ver-te fixares o olhar no meu ao dizer- SEMPRE- que "está tudo bem, filha!"

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